Para implementar a nova tecnologia, a Polícia Federal do Amazonas investiu R$ 2,6 milhões em equipamentos e na adequação de instalações laboratoriais, sendo R$ 2,5 milhões provenientes de termo de ajuste de conduta (TAC) realizado com infratores e R$ 100 mil de verba própria.
"A análise de isótopos estáveis é uma técnica muito versátil que pode ser adotada em diversas casuísticas. As aplicações forenses são inúmeras, sendo o tráfico de fauna uma delas. Por conta disso, ter os equipamentos disponíveis na superintendência do estado do Amazonas representa um avanço imenso no combate ao crime na região", afirma Saraiva para explicar a opção por investir nessa nova metodologia.
Além de crimes envolvendo animais, a perícia com isótopos estáveis pode ser aplicada em casos de extração e comércio ilegais de madeiras nativas e minérios (como o ouro dos garimpos), além de investigações que envolvam alimentos e entorpecentes.
Conforme explica a bióloga e professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, Gabriela Bielefeld Nardotto, "incluem-se no grupo dos isótopos estáveis que mais utilizamos na área ambiental e forense o carbono-12 (leve) e o carbono-13 (pesado); o nitrogênio-14 (leve) e o nitrogênio-15 (pesado); o oxigênio-16 (leve) e o oxigênio-18 (pesado) e o hidrogênio-1 (leve) e o hidrogênio-2 (pesado)".
Pesquisadora sobre o uso de isótopos estáveis em estudos ambientais, Gabriela explica que a proporção entre os isótopos pesados e os leves desses elementos químicos, que resulta em um número chamado razão isotópica, varia conforme a região. Isso faz com que esse número esteja nas características dos alimentos consumidos de uma determinada área pelos animais na natureza. Consequentemente, o mesmo número será encontrado no organismo desse animal.
"Com isso, podemos usar na análise as unhas e os pelos de mamíferos, que são formados por queratina e que, por sua vez, é formada por carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio", salienta a professora. A proporção dos isótopos na queratina dos animais será a mesma da dos alimentos consumidos e da água de onde eles vivem. Ou seja, a nova metodologia de análise pericial implantada na Polícia Federal do Amazonas torna possível identificar a origem geográfica de um animal.
Mas essa é uma informação que, no caso de crimes contra a fauna, não é sempre necessária. "Nem precisamos descobrir o local de origem do espécime. Esse exame permite comparar os isótopos da amostra do animal apreendido com os da alimentação ou da água fornecidas pelo criador. Se as proporções isotópicas não baterem, há irregularidade. Para a investigação policial, já é suficiente", explica Saraiva. Segundo ele, o novo método ajuda a desmascarar o "esquentamento" de fauna - fazer um animal capturado na natureza se passar por um nascido em criadouro legalizado.
"Via de regra, os animais de cativeiro se alimentam de ração industrializada e isso confere a eles uma proporção isotópica diferente daqueles não originários de cativeiro", acrescentou o delegado. Mesmo nos casos em que o animal retirado da natureza ficar durante muito tempo em cativeiro, recebendo a mesma alimentação e em ambiente similar aos espécimes nascidos no criadouro, Gabriela afirma ser possível desmascarar o golpe. Nos mamíferos, por exemplo, tecidos como os de dentes têm sua proporção isotópica registrada logo após o nascimento ou nos primeiros anos de vida, quando são formados.
Para as aves, a situação é mais complicada, já que o valor isotópico das penas, por exemplo, está ligado às características da região em que estava o animal quando foram formadas. "Por isso devem ser consideradas as taxas de renovação dos tecidos amostrados na investigação. Uma vez conhecidas as taxas de renovação, pode-se inferir temporalmente a idade do tecido e espacialmente também é possível inferir de qual região geográfica este animal pode ser oriundo", explicou.
O delegado Saraiva afirma que a Polícia Federal tem insumos suficientes para realizar exames em larga escala. Nos casos envolvendo fauna, os resultados das análises ficam prontos em 48 horas. "A PF está aberta, inclusive, para trabalhar com outros órgãos governamentais e otimizar ao máximo a utilização do laboratório e dos equipamentos", destacou.
Imagem: Secretaria de Segurança Pública do Amazonas.
Para determinar a origem dos espécimes, são necessárias amostras do ambiente de onde foram retirados para que a proporção isotópica dos elementos na água, por exemplo, seja comparada com a do animal. Para isso, torna-se imprescindível a construção de um banco de dados com essas informações sobre os locais de captura. Para a bióloga Juliana Machado Ferreira, diretora executiva da ONG especializada no combate ao tráfico de fauna Freeland Brasil, análises com isótopos estáveis e testes a partir de DNA são os meios mais eficazes para investigar fraudes em criadouros e garantir o retorno dos animais às suas regiões de origem.
"A utilização de testes de paternidade por análise de DNA, a inferência de origem também por DNA e a inferência de origem e diferenciação de animais criados em cativeiro dos coletados na natureza através das análises de isótopos estáveis são as técnicas mais sensíveis para detectarmos ilegalidades e realizarmos solturas tecnicamente responsáveis, assim como para identificarmos pontos de superexploração pelo tráfico, o que pode ajudar a direcionar recursos para o combate a esse crime", afirma ela.
Com doutorado em Genética, Juliana considera a existência do comércio legalizado de fauna uma porta de entrada para animais ilegais, assim como impõe ao poder público a necessidade de fiscalizar e diferenciar o legal do ilegal. "Atualmente, as formas de rastreabilidade de origem são muito falhas e as fraudes comuns e numerosas", salientou Juliana.