terça-feira, 31 de março de 2020

Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo coronavírus?

Em dezembro de 2019, um novo coronavírus causou um grande surto de doença pulmonar na cidade de Wuhan, a capital da província de Hubei na China, e tem desde então se espalhado globalmente. O vírus eventualmente foi nomeado SARS-CoV-2, devido ao fato do seu genoma (constituído de RNA) ser ~82% idêntico ao coronavírus (SARS-CoV) responsável pelo SARS (síndrome respiratória aguda grave). Ambos os vírus pertencem ao clado b do gênero Betacoronavirus. A doença causada pelo SARS-CoV-2 é chamada COVID-19. Apesar dos casos de infecção inicialmente estarem conectados ao mercado de animais e alimentos marinhos de Wuhan, uma eficiente transmissão humano-para-humano levou ao crescimento exponencial do número de casos e a eventual declaração de uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

No momento dessa postagem, são mais de 794 mil casos confirmados no mundo, sendo cerca de 595 mil casos ativos, cerca de 161 mil casos recuperados (curados após tratamento/isolamento)  e cerca de 38 mil casos fatais (óbitos), com uma taxa de mortalidade em torno de 4.8%, alcançando níveis alarmantes na Itália, e ainda mais alarmantes nos Estados Unidos. No geral, pacientes contraindo a forma severa da doença constituem aproximadamente 15% dos casos. Nenhum tratamento efetivo ainda existe para o COVID-19.

Em resposta, muitos centros de pesquisa - em Universidades e no setor industrial - estão correndo contra o tempo para o desenvolvimento de uma vacina e de medicamentos que possam prevenir ou tratar o COVID-19. Nesse último caso, um número de estudos vêm sendo publicados avaliando anti-virais já existentes no mercado para o tratamento de outras enfermidades e que podem também ser efetivos contra o SARS-CoV-2.

Nesse sentido, vem sendo amplamente divulgado nas redes sociais que medicamentos contendo as substâncias hidroxicloroquina e cloroquina - usados para o tratamento contra a malária, reumatismo, inflamação nas articulações, lúpus, entre outros - são eficientes para tratar o novo coronavírus. Isso fez com que a procura por esses medicamentos aumentasse de forma robusta não só aqui no Brasil como em outros países, ameaçando os estoques em farmácias e preocupando pacientes com outras doenças graves que precisam dessas drogas.

          Mas quais as evidências científicas para essas duas substâncias? Vale a pena consumi-los em caso de infecção pelo SARS-CoV-2? Existem outros potenciais medicamentos para o tratamento do COVID-19?


Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo ...

HIDROXICLOROQUINA E CLOROQUINA

A cloroquina - um fármaco imunomodulante tradicionalmente usado para tratar malária e amebíase - tem sido usada amplamente ao redor do mundo por mais de 70 anos, e faz parte da lista de medicamentos essenciais da OMS. Além de barato, esse fármaco possui um perfil clínico de segurança bem estabelecido para certas doenças. Estudos clínicos preliminares in vivo e in vitro têm reportado que esse medicamento também parece ser efetivo em reduzir a replicação viral de um número de infecções, incluindo o coronavírus associado ao SARS e ao MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio).

No entanto, a eficácia e a segurança da cloroquina para o tratamento da pneumonia causada pelo SARS-CoV-2 permanecem inconclusivas. Estudos mais recentes in vitro sugerem que o fosfato de cloroquina é eficiente em inibir a infecção pelo SARS-CoV-2 in vitro (em células cultivadas fora de um sistema vivo) (Ref.2).

Uma revisão sistemática publicada esta semana no periódico Journal of Critical Care (Ref.3), analisando estudos clínicos na literatura acadêmica (PubMed e EMBASE) sobre o uso de cloroquina e formulações derivadas em pacientes com COVID-19, concluiu que existe suficiente e racional pré-clínica evidência em relação à efetividade da cloroquina para o tratamento dessa doença assim como evidência de relativa segurança no uso a longo prazo na prática clínica que justificam a pesquisa clínica sobre o tópico. Porém, os autores do estudo também reforçam que, no momento, o uso de cloroquina para o tratamento do COVID-19 precisa ser restrito somente a testes clínicos eticamente aprovados.

Sem robustos estudos in vivo, e falta de testes clínicos em um grande número de pacientes humanos, é mais do que arriscado recomendar o amplo uso de cloroquina para o tratamento de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, especialmente fora de um centro de saúde e sem acompanhamento médico dedicado. Os efeitos colaterais e interações com outros medicamentos precisam ser levados em conta, ou um grande número de pacientes infectados pode piorar o estado de saúde. Aliás, o uso acima do recomendado de cloroquina pode causar envenenamento agudo e morte - somando-se a outros possíveis e sérios efeitos colaterais listados na bula. Isso sem contar que aprovações de uso sem suficiente suporte científico pode fomentar uma maior demanda desnecessária - e consequente escassez de estoque - de um medicamento essencial para inúmeras pessoas, especialmente nas áreas tropicais fortemente afetadas pela malária.

Em uma carta ao editor, publicada no periódico Nature (Ref.4), pesquisadores Chineses também reportaram que o sulfato de hidroxicloroquina - um derivado da cloroquina que possui um grupo hidroxila (-OH) extra em sua estrutura molecular e primeiro sintetizado em 1946 - parece ser também efetivo para inibir a infecção pelo SARS-CoV-2, com base em experimentos in vitro. Usado para o tratamento de doenças auto-imunes como a artrite reumatoide e o lúpus, a hidroxicloroquina já demonstrou ser 40% menos tóxica do que a cloroquina em animais - apesar de também estar associada a sérios e frequentes efeitos colaterais, como distúrbios no ritmo cardíaco (Ref.14). Em combinação com sua função anti-inflamatória, a hidroxicloroquina possui potencial para combater o COVID-19.



Inclusive, em um estudo clínico publicado posteriormente no periódico International Journal of Antimicrobial Agents (Ref.13) e bastante divulgado, pesquisadores Franceses reportaram que  a substância foi testada em um grupo pequeno de voluntários em Marselha, na França, gerando resultados mais do que positivos. No total, foram 26 pacientes (19 pacientes como controle) recebendo a hidroxicloroquina (600 mg diários) com ou sem o antibiótico azitromicina. Os autores reportaram presença zero do vírus na maioria (20 casos) tratada com a hidroxicloroquina após 6 dias de tratamento, sendo que na maioria não-tratada (controle) a infecção continuou. Além disso, a azitromicina mostrou otimizar a ação anti-viral da hidroxicloroquina.

Já um estudo clínico randomizado nos EUA iniciado em 11 de março de 2020 está avaliando a efetividade da hidroxicloroquina e também do antiviral combinado Lopinavir-Ritonavir para o tratamento de pacientes com COVID-19 (Ref.6).

OUTROS MEDICAMENTOS

          Além da hidroxicloroquina e da cloroquina, existe limitada evidência de que o medicamento Remdesivir - uma pró-droga nucleosídea análoga desenvolvida pela Gilead Sciences (EUA) - pode ser usada de forma efetiva para o tratamento de pacientes com COVID-19. Um recente caso reporte mostrou que o tratamento com remdesivir melhorou a condição clínica do primeiro paciente infectado pelo SARS-CoV-2 nos EUA (Ref.5). Alguns estudos nas últimas décadas também sugerem que esse medicamento trouxe benefícios para o tratamento de SARS (2002) e de MERS (2012). Testes clínicos randomizados envolvendo centenas de pacientes estão sendo conduzidos para corroborar ou não essas evidências (Ref.6).

          Outros medicamentos em similar situação - em combinação ou isolados - incluem o Lopinavir, o Sofosbuvir, o Ribavirina, corticosteroides e o Interferon alfaco-1 O lopinavir é um inibidor de protease usado no coquetel anti-HIV. O ritonavir é combinado com o lopinavir para aumentar seu tempo de meia-vida no plasma através da inibição do citocromo P450. No entanto, a OMS atualmente recomenda contra o uso rotineiro de corticosteroides em pacientes com SARS-CoV-2, com base em dados disponíveis sugerindo que esses medicamentos não estão associado com benefícios de sobrevivência e podem causar prejuízos à saúde; autoridades de saúde Chinesas concordam com a recomendação, alegando que o uso de corticosteroides é controverso nesse contexto.

Especialistas Sul-Coreanos com experiência em tratar pacientes infectados com o SARS-CoV-2 não recomendam o uso de medicamentos anti-virais hoje disponíveis para o tratamento de pacientes jovens, saudáveis e com sintomas leves da doença. Por outro lado, eles recomendam que o tratamento com lopinavir 400 mg, ritonavir 100 mg (2 tabletes via oral duas vezes por dia) ou cloroquina (500 mg via oral duas vezes ao dia) deveria ser considerado para o uso em pacientes mais velhos ou em pacientes com condições crônicas de saúde e graves sintomas - e tudo, claro, sob estrito acompanhamento médico e hospitalar. Se a cloroquina estivesse indisponível, a recomendação seria o uso de hidroxicloroquina (400 mg via oral duas vezes ao dia). Uso de ribavirina e interferon não seria recomendado como primeira linha de tratamento por causa do risco de sérios efeitos colaterais; no entanto, o uso desses medicamentos deveria ser considerado se o tratamento com lopinavir, ritonavir, cloroquina, ou hidroxicloroquina forem inefetivos. (Ref.7-8)

Porém, contudo, todavia, um estudo clínico randomizado publicado recentemente no periódico The New England of Medicine (Ref.9), analisando 199 pacientes infectados com o SARS-CoV-2, não encontrou benefícios terapêuticos significativos para o uso de Lopinavir–Ritonavir em comparação com o tratamento padrão. A mortalidade e o nível de RNA viral ao longo da hospitalização entre o grupo de controle e o grupo tratado com essas duas substâncias mostrou-se similar. Eventos adversos gastrointestinais foram mais comuns no grupo tratado com lopinavir-ritonavir, mas sérios eventos adversos foram mais comuns no grupo de controle. Por outro lado, o tratamento com lopinavir-ritonavir foi suspenso em 13 pacientes (13,8%) por causa de eventos adversos. Esse inclusive é um alerta para as pessoas que estão comprando e usando sem qualquer orientação médica medicamentos a base de hidroxicloroquina ou de cloroquina com base apenas em estudos preliminares ou especulações terapêuticas.

 A OMS também anunciou um grande estudo clínico a nível global - o qual pode incluir milhares de pacientes em dezenas de países - para testar a eficácia de seis desses medicamentos (combinados ou isolados): Remdesivir, clroroquina, hidroxicloroquina, Ritonavir/lopinavir e Ritonavir/lopinavir + interferon beta (Ref.12). O estudo -  chamado de 'SOLIDARITY' - vai ser acompanhado também por outro estudo clínico de larga escala similar coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Médica da França (INSERM) que pretende englobar 3200 pacientes oriundos de pelos menos 7 países, incluindo 800 da França.


   INIBIDORES DE α-KETOAMIDAS

Um dos alvos terapêuticos melhor caracterizados entre os coronavírus é a protease principal (Mpro). Essa enzima é essencial para o processamento das poliproteínas que são traduzidas a partir do RNA viral. A inibição da atividade dessa enzima bloquearia a replicação viral, e considerando que nenhuma protease humana conhecida possui centros específicos de clivagem similares ao Mpro, inibidores são improváveis de serem tóxicos.

Em um estudo publicado essa semana na Science (Ref.10), pesquisadores conseguiram determinar a estrutura cristalina via raio-X, a uma resolução de 1,75 Å, do Mpro do SARS-CoV-2. A estrutura tridimensional mostrou-se altamente similar àquela do Mpro do SARS-CoV, como esperado considerando uma igual identidade de 96% do sequenciamento dessa proteína entre os dois vírus.


   CONCLUSÃO

 No momento, não existe nenhum tratamento medicamentoso aprovado ou comprovado cientificamente visando a infecção pelo SARS-CoV-2. Certos anti-virais e outros medicamentos com potencial terapêutico estão ainda sendo testados, mas as evidências científicas de suporte continuam fracas e oriundas de estudos in vitro e/ou de grupos muito limitados de pacientes. Além disso, existem resultados conflitantes para medicamentos como o Remdesivir e o Lopinavir. Para pacientes com sintomas leves e fora de grupos de risco, repouso, hidratação e boa alimentação durante o isolamento em casa são suficientes. E importante: esses medicamentos sendo testados, incluindo a hidroxicloroquina e a cloroquina, NÃO são para prevenção e, sim, possuem potencial terapêutico para ajudar a tratar o COVID-19. Ou seja, não devem ser usados em hipótese alguma sem a presença da doença.

Alias, esta semana a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu enquadrar a hidroxicloroquina e a cloroquina como medicamentos de controle especial (Ref.11). Segundo informações da Agência a procura por hidroxicloroquina aumentou depois das pesquisas já mencionadas indicarem que esse medicamento pode ser testado no tratamento do Sars-Cov-2.

"Apesar de promissores, não existem estudos conclusivos que comprovam o uso desses medicamentos para o tratamento da Covid-19. Assim, não há recomendação da Anvisa, no momento, para o uso em pacientes infectados ou mesmo como forma de prevenção à contaminação. Ressaltamos que a automedicação pode representar um grave risco à sua saúde." – Anvisa.

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
  1. https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 
  2. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32145363/ 
  3. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32173110/ 
  4. https://www.nature.com/articles/s41421-020-0156-0
  5. https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0007/988648/COVID-19-Drug-Therapy_Mar-2020.pdf 
  6. https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04307693 
  7. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0024320520302253
  8. http://www.koreabiomed.com/news/articleView.html?idxno=7428
  9. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2001282
  10. https://science.sciencemag.org/content/early/2020/03/19/science.abb3405
  11. http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/hidroxicloroquina-orientacao-aos-pacientes-e-farmacias/219201
  12. https://www.sciencemag.org/news/2020/03/who-launches-global-megatrial-four-most-promising-coronavirus-treatments
  13. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924857920300996
  14. https://newsnetwork.mayoclinic.org/discussion/mayo-clinic-provides-urgent-guidance-approach-to-identify-patients-at-risk-of-drug-induced-sudden-cardiac-death-from-use-of-off-label-covid-19-treatments/

terça-feira, 24 de março de 2020

Supercomputador identifica 77 moléculas com potencial para tratar Covid-19

Pesquisadores usaram o equipamento da IBM para testar compostos que podem evitar a conexão do vírus com as células humanas

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Imagem reprodução: Pesquisadores usaram o supercomputador Summit para identificar compostos que se ligariam à principal proteína do SARS-CoV-2, impedindo-o de infectar células humanas. Na esquerda, uma substância se liga ao vírus, impedindo que ele se conecte com a célula. Já na imagem da direita, o vírus se conecta sem nenhum impedimento (Foto: Reprodução/Michelle Lehman)

O supercomputador IBM AC922 Summit foi desenvolvido para que cientistas consigam realizar suas pesquisas com rapidez e eficácia. Ele pode executar 200 quatrilhões de cálculos por segundo — aproximadamente 1 milhão de vezes mais do que um computador normal. Pensando nisso, o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) fez dele um novo aliado na corrida contra o novo coronavírus.

Os pesquisadores usaram o equipamento para realizar simulações digitais de 8 mil compostos a fim de rastrear aqueles com maior capacidade de impedir que o vírus infecte células hospedeiras. Para isso, Micholas Smith, membro da equipe de cientistas, construiu um modelo digital da proteína spike do coronavírus Sars-CoV-2, também chamada de proteína S.
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O próximo passo de Smith foi realizar testes de dinâmica molecular que analisaram os movimentos de átomos e partículas na proteína. Ele simulou diferentes compostos que poderiam ser acoplados às spikes — que são aquelas protuberâncias do vírus — para determinar se algum deles pode impedir o microrganismo de aderir às células humanas. Foram identificados 77 tipos de moléculas, como medicamentos e substâncias naturais, que podem ser essenciais para os testes de vacinas e remédios.

“O Summit foi necessário para obtermos rapidamente os resultados de simulação que precisávamos. Demorou um dia ou dois, enquanto levaria meses em um computador normal. Nossos resultados não significam que encontramos uma cura ou tratamento para o coronavírus, mas temos muita esperança de que nossas descobertas ajudem estudos futuros”, disse o cientista Jeremy Smith, em comunicado. 

Agora a equipe planeja executar o estudo de novo com uma nova versão da proteína S. Isso pode alterar a classificação dos produtos químicos mais promissores para o tratamento. Os pesquisadores enfatizaram a necessidade de testar na prática os 77 compostos antes que qualquer determinação possa ser feita sobre sua usabilidade.


domingo, 8 de março de 2020

Cinco técnicas que podem ajudar a aprimorar sua memória

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vivabem.uol.com.br
A maioria de nós gostaria de ter uma memória melhor. Se ao menos não chegássemos à loja, para comprar três coisas e nos lembrássemos só de duas. Se ao menos não subíssemos até o segundo andar, só para esquecer por que fomos lá. Se ao menos pudéssemos ler informações e memorizá-las facilmente, em vez de tudo desaparecer rapidamente de nossas mentes.

Há muitas técnicas de memória testadas e confiáveis, algumas das quais existem há décadas. Mas o que os cientistas estão investigando agora?

Mais estudos serão necessários antes que possamos ter certeza das melhores formas de colocar as pesquisas mais recentes em prática, mas o que elas podem nos dizer sobre como melhorar nossa memória?

1) Ande de costas 

Podemos pensar que tempo e espaço são coisas muito diferentes, mas, mesmo na forma como falamos, há mais pontos de encontro do que poderíamos imaginar. Nós deixamos acontecimentos "para trás". "Olhamos em frente" ao pensar no futuro. A maneira exata como fazemos isso varia de cultura para cultura, mas, no mundo ocidental, a maioria de nós pensa no futuro como um espaço a nossa frente enquanto o passado se estende para trás.

Pesquisadores da Universidade de Roehampton decidiram explorar a ligação em nossas mentes entre tempo e espaço para encontrar uma maneira de ajudar a nos lembrar melhor dos acontecimentos. Eles mostraram às pessoas uma lista de palavras, um conjunto de fotos ou um vídeo em que uma mulher tem sua bolsa roubada. As pessoas foram instruídas a andar para frente ou para trás por dez metros em uma sala no tempo, de acordo com um metrônomo, um aparelho usado para marcar um andamento musical.

Quando eles foram testados depois sobre o que lembravam do vídeo, das palavras e das imagens, em cada teste, quem caminhou para trás se lembrou mais. Funcionou até mesmo quando os participantes imaginaram andar para trás, ao invés de fazê-lo fisicamente. Era como se caminhar para trás no espaço encorajasse suas mentes a voltar no tempo e permitisse que as pessoas acessassem suas memórias mais facilmente.

Esta pesquisa de 2018 se encaixa com alguns estudos feitos com ratos em 2006. Quando os animais tentam navegar um labirinto, alguns neurônios específicos são ativados quando eles aprendem um ponto do caminho. Os pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, descobriram que, quando os ratos param no labirinto, os neurônios associados a cada local que aprenderam no trajeto disparam em ordem inversa. Então, fazer o caminho inverso em suas mentes os ajuda a se lembrar da rota correta.

E, agora, uma nova pesquisa da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, mostrou que quando nós, seres humanos, lembramos de um evento passado, reconstruímos a experiência em nossa mente em ordem inversa. Quando vemos pela primeira vez um objeto, notamos primeiro os padrões e as cores e depois descobrimos o que é. Quando tentamos nos lembrar de um objeto, acontece o contrário: nos lembramos do objeto primeiro e, depois, se tivermos sorte, dos detalhes.

2) Faça um desenho 

Que tal desenhar sua lista de compras em vez de escrever os itens? Em uma pesquisa feita na Universidade de Waterloo, na Inglaterra, em 2018, um grupo de jovens e idosos recebeu uma lista de palavras para aprender. Metade foi convidada a fazer um desenho de cada uma das palavras, enquanto a outra metade foi instruída a escrever as palavras enquanto as aprendiam. 

Mais tarde, as pessoas foram testadas para ver de quantas palavras conseguiam se lembrar. Apesar de algumas palavras serem muito difíceis de desenhar, como "isótopo", o ato de desenhar fez tanta diferença que os mais velhos se tornaram tão bons quanto os mais jovens em se recordar das palavras. O desenho ajudou até mesmo pessoas com demência. Quando desenhamos algo, somos forçados a pensar em mais detalhes, e é esse processo profundo que nos torna mais propensos a nos lembrar de algo. 

Até mesmo escrever uma lista ajuda, e é por isso que, quando você chega à loja e percebe que deixou sua lista de compras em casa, ainda é possível se lembrar de mais itens do que se você não tivesse escrito a lista. Fazer um desenho leva isso um passo além. E não há problema se você não tiver um bom traço: a qualidade do desenho não fez diferença.

3) Exercite-se 

Sabe-se há algum tempo que exercícios aeróbicos, como corrida, podem melhorar a memória. O exercício físico regular gera um pequeno benefício geral, mas, se você quiser aprender algo específico, uma sessão intensa parece ser a ideal, porque ajuda a absorver novas informações, ao menos no curto prazo, segundo uma pesquisa de cientistas do Canadá e da Dinamarca.

A pesquisa sugere que, com o timing certo, a melhoria de memória pode ser ainda maior. Pessoas que fizeram um treino de 35 minutos quatro horas depois de aprender uma lista de fotos associadas a locais conseguiu se lembrar melhor dos pares do que aqueles que fizeram o exercício imediatamente após. No futuro, os pesquisadores investigarão quais exercícios são mais indicados de acordo com o tipo de coisa de que você quer se lembrar.

4) Não faça nada 

Quando as pessoas que tinham amnésia por causa de um derrame receberam uma lista de 15 palavras para memorizar e depois tiveram de fazer outra tarefa, dez minutos depois, elas só conseguiam lembrar de 14% da lista original. Se ficassem em uma sala escura fazendo nada por 15 minutos, sua pontuação subia para 49%, mostrou um estudo da Universidade do Missouri, nos Estados Unidos.

A mesma técnica tem sido usada desde então em várias pesquisas por Michaela Dewar, da Universidade Herriot Watt, na Escócia. Ela descobriu que, em pessoas saudáveis, uma pequena pausa logo depois de aprender alguma coisa faz diferença no quanto elas podem se lembrar daquilo uma semana depois.

Agora, você pode estar pensando: como saber se as pessoas não passaram dez minutos na sala escura repetindo as palavras para si mesmas para que não se esquecessem? Para evitar isso, Dewar pediu que as pessoas memorizassem a pronúncia de palavras em uma língua estrangeira que elas não conseguiriam repetir para si mesmas depois.

Esses estudos nos mostram o quão frágeis são as novas memórias, a ponto de até mesmo uma pequena pausa poder fazer diferença se elas ficam na nossa mente ou desaparecem.

5) Tire uma soneca 

O sono ajuda a consolidar nossas memórias ao reproduzir ou reativar informações que acabamos de aprender. Uma pesquisa da Universidade de Oldemburgo, na Alemanha, descobriram que, quando pessoas recebiam pares de palavras para memorizar, elas podiam se lembrar mais depois de um sono de até 90 minutos em comparação com quem assistiu a um filme.

Mas pesquisas recentes sugerem que essa técnica funciona melhor para pessoas que estão acostumadas a tirar um cochilo à tarde. Isso levou Elizabeth McDevitt e sua equipe da Universidade da Califórnia a se perguntarem se era possível treinar pessoas para tirar uma soneca. Então, por quatro semanas, quem não tinha esse hábito foi para a cama para tirar uma soneca diurna quando podiam. Infelizmente, para essas pessoas, as sonecas não melhoraram suas memórias. Então, talvez seja necessário um período de treinamento mais longo ou haja algumas pessoas para quem é melhor andar para trás, desenhar, correr ou simplesmente não fazer nada.