As armas químicas de guerra são definidas como qualquer substância química cujas propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar, ferir ou incapacitar algum inimigo na guerra ou associado a operações militares.
- Histórico
O sarin é um composto organofosforado, classificado como agente neurotóxico, que atua inibindo as enzimas colinesterásicas, em particular a acetilcolinesterase (AChE), a AChE eritrocitária (EC 3.1.1.7) e a AChE butirilcolinesterase (EC 3.1.1.8). Tais compostos fosforados são conhecidos como armas químicas de guerra e armas de terrorismo, e estão entre as mais mortais dentre as armas químicas de guerra. O primeiro registro de exposição a inibidores da colinesterase foi em tribos nativas da África, que utilizavam feijão-de-Calabar, cujo princípio ativo é a fisostigmina. Em 1854, foi sintetizado o primeiro composto organofoforado, o tetratilpirofosfato, e, em 1937, foi esclarecida a fórmula geral dos organofosforados e sintetizado o Sarin.
Fórmula estrutural do Sarin
- líquido incolor e inodoro;
- agente muito volátil;
- DL50 (dose letal 50%) é estimada em 14,3 mg/kg;
- CL50 (concentração letal 50%) é estimada em 100 mg/min/mm³.
- Mecanismo de ação
A acetilcolina (ACh) é o mediador químico necessário para a transmissão do impulso nervoso em todas as fibras pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo, em todas as fibras simpáticas pós-ganglionares parassimpáticas e em algumas fibras simpáticas pós-ganglionares, que inervam as glândulas sudoríparas e os vasos sanguíneos musculares (Figura 1). Além disso, a ACh é o transmissor neuro-humoral do nervo motor do músculo estriado (placa mioneural) e de algumas sinapses interneuronais no sistema nervoso central Figura 2 (LOTTI, 1995; WILSON, 2001).
A transmissão do impulso nervoso requer que a ACh seja liberada no espaço intersináptico ou entre a fibra nervosa e a célula efetora. Depois, a ACh se liga a um receptor colinérgico nicotínico ou muscarínico, gerando um potencial pós-sináptico de ação e a propagação do impulso nervoso. A seguir, a ACh é imediatamente liberada e hidrolisada pela AChE (BOSGRA et al, 2009; KLAASSEN; WATKINS, 2012; SIDELL et al, 2008).
A ACh une-se aos sítio aniônico e esterásico da acetilcolinesterase (AChE) através de forças como a de van der Waals, dando lugar ao complexo enzima-substrato; em seguida, é liberada a colina, e a enzima fica acetilada. A enzima acetilada reage com água para regenerar a enzima, liberando ácido acético, conforme Figura 2.
Figura 2. Hidrólise da ACh pela AChE |
O sarin, como os demais organofosforados, se liga de forma bastante estável e mais forte ao centro esterásico da enzima acetilcolinesterase inibindo (Figura 3), assim, sua ação por impedimento espacial. Desta forma, a acetilcolinesterase não consegue se ligar a acetilcolina, que por sua vez acumula-se nas fendas sinápticas, desencadeando todos os vários sinais característicos da intoxicação (Figura 4) (KLAASSEN; WATKINS, 2012; OGA et al, 2008).
Os efeitos anticolinesterásicos dos agentes neurotóxicos podem ser caracterizados como muscarínicos, nicotínicos, e sobre o sistema nervoso central (SNC) (Figura 5)
Figura 4. Mecanismo de ação do Sarin
Os efeitos muscarínicos ocorrem no sistema parassimpático (brônquios, coração, pupilas dos olhos, glândulas salivares, lacrimais e sudoríparas) e podem resultar em sinais de edema pulmonar, bradicardia, miose, lacrimejamento e sudorese.
Os efeitos nicotínicos ocorrem no sistema somático (esquelético e motor), e no sistema simpático, resultando em fasciculações musculares, fraqueza muscular, taquicardia e diarréia.
Os efeitos sobre o SNC se manifestam como ansiedade, tontura, labilidade emocional, ataxia, confusão e depressão. Suspeita-se que o sarin possa afetar a transmissão dos impulsos nervosos em tecidos excitáveis, receptores e canais iônicos (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003).
- Antídotos
No tratamento de episódios de intoxicação aguda por agentes neurotóxicos, como é o caso do sarin, são administrado dois antídotos específicos, a atropina e a pralidoxima.
A atropina é um antagonista das ações da acetilcolina e atua bloqueando os efeitos muscarínicos da estimulação colinérgica. Ela compete com a acetilcolina por um local de ligação comum no receptor muscarínico, diminuindo a crise colinérgica provocada pelo sarin e demais compostos neurotóxicos.
A pralidoxima promove a reativação da enzima acetilcolinesterase através da remoção do grupo fosforil ligado ao grupo éster da enzima, restaurando a função normal da acetilcolinesterase. Nesta reação, o sarin (e outros agentes neurotóxicos) e a pralidoxima são mutuamente inativados. Estes produtos são, então, submetidos a uma rápida biotransformação, levando à remoção do sarin e de outros compostos neurotóxicos.
- Uso do sarin
Dentre os usos com fins bélicos ou em atentados mais recentes do sarin, tem-se que ele foi empregado em junho de 1994 em Matsumoto, Japão, num ataque terrorista organizado por um grupo religioso conhecido como Aum Shinrikyo (Verdade Suprema) e provocou a morte de oito pessoas, com mais de 200 feridos.
Em 20 de março de 1995, ocorreu outro ataque terrorista no metrô de Tóquio, Japão, com gás sarin. O ataque foi de autoria da mesma seita religiosa Aum Shinrikyo e provocou a morte de onze pessoas e mais de 5.000 ficaram feridas.
Atualmente, segundo publicação do Estadão, os EUA afirmam que o governo da Síria utilizou gás Sarin na capital da Síria, Damasco no último dia 21 de agosto. Segundo relatos, mais de 1.429 pessoas foram mortas, incluindo 426 crianças e diversos feridos.
Há indícios de que na Guerra Civil do Iêmen (1963-1970) foram empregados pela primeira vez os agentes neurotóxicos, supostamente tabun e sarin.
Na Guerra Irã-Iraque (1984-1990), o Iraque lançou gás mostarda, tabun e sarin contra os curdos, grupo étnico que vivia nas regiões de Israel e em outros países, como Irã e Síria.
- Métodos de detecção
O gás sarin pode ser detectado em amostras biológicas como: urina, sangue, cabelo, entre outras, e, em amostras do solo, água, roupas, entre outras.
O sarin, assim como outros agentes neurotóxicos, podem ser detectados empregando GC/MS, GC/MS/MS, LC/MS/MS.
Referências:
LOTTI, M. et al. Cholinesterase inhibition: complexities in interpretation. Clinical Chemistry, v. 41, n. 12, p. 1814-1818, 1995.
WILSON, B.W. Cholinesterases. In: KRIEGER, R. I. Handbook of Pesticides Toxicology Agents. 2 ed. California: Academic Press, 2001. cap. 48, p. 967-985.
BOSGRA S. et al.Toxicodynamic analysis of the inhibition of isolated human acetylcholinesterase by combinations of methamidophos and methomyl in vitro. Toxicology and Applied Pharmacology, v. 236, n. 1, p.1-8, 2009.
HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Nerve Agents. In.SIDELL, F.R., NEWMARK, J., MCDONOUGH, J.H. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 5.
MARTIN, T., LOBERT, S. Chemical warfare: toxicity of nerve agents. American Association of Critical-Care Nurses, v.23, n.5, p. 15 – 22, 2003.
OGA, S. et al. Fundamentos de toxicologia. Editora Atheneu, São Paulo, 2008.
KLAASSEN, C.D., WATKINS, J.B. Fundamentos em Toxicologia de Casarett e Doull. Editora AMGH, Porto Alegre, 2012.