Especialistas afirmam que investir na formação de professores é a melhor lição que podemos tirar das mudanças na Finlândia
por Fernanda Kalena
Desde o final de março/2015, quando a Finlândia anunciou o redesenho de seu sistema educacional, que coloca projetos transversais à frente de disciplinas, o debate sobre o espaço que conteúdos e competências devem ocupar na grade escolar está a todo vapor. Para trazer essa discussão ao cenário brasileiro, o Porvir conversou com especialistas em educação para entender quais são as lições e inspirações que podem ser tiradas das mudanças finlandesas.
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Um ponto ressaltado por Marjo Kyllönen, secretária de educação da cidade de Helsinque, foi o preparo dos educadores para lidar com o novo modelo (leia aqui a entrevista completa). E não coincidentemente, a necessidade de reforçar a formação docente aparece como consenso quando se olha para o Brasil.
“Se o professor não souber trabalhar bem na sua disciplina ele não vai conseguir trabalhar com as competências transversais. Isso exige uma formação docente que não se tem aqui”, argumenta a educadora Guiomar Namo de Mello, presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. “Por isso que a proposta da Finlândia não elimina as disciplinas, diz que as competências devem ser vistas em cada disciplina de uma forma diferente. É aí que a questão da competência geral se encontra com a específica”, aponta.
A diretora do Cadec (Consultores Associados de Educação), Ana Cristina Canettieri, que frequentemente viaja para conhecer boas práticas de redes de ensino pelo mundo, concorda que a Finlândia só consegue fazer essas mudanças por ter um corpo docente muito bem preparado, uma formação inicial consistente e professores que trabalham com muita autonomia. “As transformações acontecem pois os docentes são muito valorizados e têm um amplo domínio de como ensinar e como se aprende”.
"Quanto mais você conhece a disciplina que leciona, mais sabe os limites e as fronteiras dela com a realidade"
Segundo Guiomar, as competências transversais devem ser desenvolvidas em cada disciplina respeitando as especificidades de cada campo do conhecimento. A educadora ilustra: “Ao pensar em um projeto que aborda a poluição de um rio e suas implicações, por exemplo, o objeto de estudo afeta a cidade, a população e o prefeito. Contém componentes químicos e é influenciado por um conjunto de fatores do entorno, do meio ambiente físico. Esse projeto vai desenvolver conteúdos de geografia, química, história, ciências políticas, todos voltados para diminuir a poluição do rio. Só que a solução em química se expressa de um jeito e em geografia, de outro, mas todas resultam em uma habilidade geral, de resolução de problema”. Para ela, os professores especialistas tem que ter um sólido conhecimento e preparo em suas áreas para se sentirem confiantes em trabalhar de forma interdisciplinar. “A disciplina, nesse caso, é mais importante do que nunca”, ressalta a educadora.
Ao mesmo tempo, aponta que a realidade é multidisciplinar. Para ela, estimular nos alunos as habilidades socioemocionais e desenvolver neles a capacidade de resolver problemas não é um trabalho restrito a uma única disciplina ou a um campo de conhecimento e pode ser viabilizado através do ensino baseado em projetos (PBL). “É disso que se trata a Finlândia. Estão colocando professores para desenvolver um trabalho integrado, pensando na possibilidade dos alunos constituírem um conjunto comum de competências”.
"O primeiro passo para um trabalho colaborativo é garantir o aprendizado dos conceitos básicos"
Mas para isso, a educadora volta ao ponto da necessidade de uma formação inicial docente de qualidade, pois assim além de os educadores estarem mais preparados para formar seus alunos para o século 21, não seriam resistentes a mudança que os beneficiassem. “Quanto mais você conhece a disciplina que leciona, mais sabe os limites e as fronteiras dela com a realidade”, completa.
Já Paula Louzano, doutora em política educacional pela Universidade de Harvard, alerta que a existência ou não de um conjunto de disciplinas não deve ser algo que engessa, que limita a correlação de conteúdos e acarreta uma educação de baixa qualidade. “Isso está mais associado aos métodos de ensino, voltados para a memorização de datas e conceitos do que com a própria existência de disciplinas. Para integrar os conteúdos é preciso ter um sólido conhecimento dele e no Brasil ainda temos dificuldade em ensinar os fundamentos de cada disciplina. O primeiro passo para um trabalho colaborativo é garantir o aprendizado dos conceitos básicos”, diz Louzano.
FONTE: http://porvir.org/dominar-conteudo-e-base-para-ensinar-competencias/
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