Tudo é composto por substâncias químicas. O ser humano, por
exemplo, é um amontoado de carbono, oxigênio, hidrogênio e outros 18 elementos.
Assim como nós, todos os objetos são feitos de átomos que interagem entre si e
formam uma infinidade de substâncias com propriedades diferentes. “É impossível
ignorar a química porque ela está presente em todas as nossas atividades, das
comidas que fazemos até o banho que tomamos”, afirma o químico Joe Schwarcz, da
Universidade McGill, Canadá. Manipulando os diferentes elementos, o homem
consegue – muitas vezes por acaso – formular remédios, melhorar alimentos e
descobrir como a natureza funciona. Também faz coisas fantásticas como
transformar pessoas em zumbis ou urina em palitos de fósforo. Nas páginas a
seguir, você verá do que a química é capaz e alguns dos capítulos mais
curiosos, engraçados ou úteis que essa ciência nos trouxe.
Em 1669, o alquimista alemão Hennig Brandt começou a destilar
urina humana. Ele tinha esperança de que o líquido fosse um remédio capaz de
curar todas as enfermidades e que, por ser amarelo, pudesse conter ouro. Ferveu
a urina e a deixou condensar, mas é claro que não encontrou nenhum metal
precioso. Conseguiu apenas uma pasta branca que, quando esquentada, entrava em
combustão. Brandt havia descoberto o elemento fósforo.
A urina é uma combinação de vários detritos do corpo. Entre eles
estão substâncias orgânicas e fosfatos – compostos que pegam fogo facilmente
quando em contato com carbono. Ao aquecer, as substâncias orgânicas se
transformaram em carvão – que nada mais é do que carbono – e fizeram a mistura
pegar fogo. Brandt percebeu que a descoberta era importante, mas ainda foi preciso
muitas outras pesquisas antes que ela pudesse ter alguma função prática. Os
palitos atuais, por exemplo, são feitos de uma massa com clorato de potássio,
que reage com o fósforo presente na lixa da caixa e inicia o fogo.
URÉIA |
Dos celeiros ao campo de guerra
Em algum momento entre os séculos IX e X, um grupo de chineses
tentava descobrir o segredo da imortalidade. Eles acreditavam que era possível
atingi-la quando os princípios opostos da filosofia taoísta Yin e Yang
entrassem em equilíbrio no corpo. Substâncias como o carvão e o enxofre eram
tidos como ricos em Yang, enquanto o nitrato de potássio, também chamado de
salitre, possuía características Yin. Não se sabe até que ponto a lenda é
verdadeira, mas o produto que resultou da mistura chinesa se tornou famoso. Ao
juntar essas três substâncias, o salitre fornece oxigênio para que os outros
dois queimem de forma explosiva. Estava inventada a pólvora.
Não se sabe como a substância chegou à Europa, mas no século XIII
já existiam estudos de como se poderia montar a mistura perfeita. Depois de
muitas pesquisas, chegou-se à fórmula ideal, com 75% de salitre, 15% de carvão
e 10% de enxofre.
O problema é que o principal ingrediente só era encontrado em
minas na Índia e na Espanha. Os exércitos do século XVIII, que dependiam cada
vez mais da pólvora, precisavam encontrar outras fontes de salitre. Por sorte,
a solução estava em qualquer celeiro.
Cientistas descobriram que um pó branco que se incrustava nas
paredes dos abrigos de animais era salitre, produzido pela decomposição da
matéria orgânica ali presente. Surgiram então vários esquemas para produzir a
substância preciosa, como depósitos repletos de lixo e esterco, molhados com
urina, que eram deixados para apodrecer. Napoleão chegou a fazer uma lei
ordenando que as pessoas urinassem nesses depósitos e, na Prússia, fazendeiros
eram obrigados a empilhar dejetos orgânicos e guardá-los para a guerra. Essa
sujeira só terminou no século XX, quando os alemães inventaram o salitre
sintético.
Terror químico
A crença de que pessoas podem ser transformadas em zumbis –
entidades sem alma trazidas de volta à vida depois de mortas – é muito
difundida entre os praticantes do vodu no Haiti. Mais assustadores do que esses
seres, no entanto, é o fato de que a química pode explicar o fenômeno.
Em 1962, o haitiano Clairvius Narcisse morreu e foi enterrado, mas
reapareceu vivo 18 anos depois. Afirmou que havia tomado uma poção que o fez
morrer, mas foi depois ressuscitado e forçado a trabalhar como escravo em
plantações, onde era mantido sob efeito de drogas. O antropólogo americano Wade
Davis investigou o caso e analisou algumas dessas “poções de zumbi” feitas
pelos sacerdotes da região. Percebeu que o único ingrediente comum a todas elas
era um tipo específico de baiacu. Esse peixe possui no fígado e nos órgãos
sexuais um potente veneno, chamado tetrodoxina, que paralisa o sistema nervoso
central e pode fazer as pessoas parecerem mortas. Ele também analisou a
substância usada para manter os zumbis em estado de estupefação e percebeu que
eles eram feitos da Datura stramonium, uma planta com fortes substâncias
psicoativas. A imagem de uma pessoa que ressuscita para andar tonta e
cambaleante pelas plantações não era, portanto, tão fora de propósito.
Ninguém sabe se a descoberta de Davis é a resposta definitiva ao
mistério. Por via das dúvidas, o código penal do Haiti determina que fazer uma
pessoa parecer morta a ponto de ela ser enterrada é considerado assassinato,
não importa o que aconteça depois.
O ovo perfeito
Nenhum lugar da casa se parece tanto com um laboratório de química
quanto a cozinha, onde diversos ingredientes são misturados, queimados,
fermentados e submetidos a processos dignos de experiências científicas. Assim
como no laboratório, ter noções de química é essencial para que o cozinheiro
consiga preparar corretamente os pratos, até os mais simples. Veja, por
exemplo, como levar à perfeição a arte de cozinhar ovos.
A clara possui água, gordura e colesterol. Também tem muitas
proteínas que mudam de forma quando aquecidas. Elas se desenrolam e deixam
expostas regiões na superfície que as ligam a outras proteínas, formando um
emaranhado que transforma a clara no material sólido e branco que conhecemos. O
ovo também tem bolhas de ar para que o filhote comece a respirar. Elas se tornam
um problema quando cozinhamos porque, além de deixar o fundo do ovo chato,
ainda podem aumentar a pressão interna e fazê-lo rachar. Para resolver o
problema, basta furar o fundo da casca com uma agulha antes de cozinhar e
colocar sal ou limão na água. Os dois ingredientes conseguem tampar o buraco
porque agem sobre a clara da mesma forma que o calor: fazem as proteínas se
juntarem e endurecerem antes que o ovo vaze na panela.
Há também outras maneiras pelas quais o ovo pode explodir. A casca
é irregular e, ao aquecer, cada uma das partes começa a se expandir de forma
diferente, o que pode levar a rachaduras. É preciso controlar a forma como ele
esquenta para que isso não aconteça. Coloque o ovo em água fria, aqueça até
ferver, reduza o fogo por mais 10 minutos e jogue em outro recipiente com água
fria. Esse último procedimento também ajuda a eliminar aquela substância
esverdeada que se forma em volta da gema. Ela surge quando o sulfeto de
hidrogênio presente na clara esquenta e se expande.
O aumento de pressão o faz migrar para as regiões mais frias do
ovo, como a gema, onde ele reage com o ferro e forma sulfeto de ferro, o
material verde. Quando jogamos o ovo em água fria, a casca diminui de
temperatura e atrai o sulfeto para longe da gema.
Finalmente, é bom saber que, quanto mais velho um ovo, mais fácil
ele descasca. Ao envelhecer, ele se torna menos ácido, o que faz com que a
membrana interna da casca se enfraqueça e não grude na parte branca.
É recomendável deixar os ovos ao menos uma semana na geladeira,
com cuidado para que eles não estraguem.
Seguindo todas as dicas, o ovo terá formato, aparência e gosto
perfeitos.
Pérolas comestíveis
No século I a.C., a rainha egípcia Cleópatra apostou com seu
amante, o general romano Marco Antônio, que ela poderia dar o jantar mais caro
da história. Na hora
marcada, tudo o que havia sobre a mesa era uma taça cheia de vinagre. Cleópatra
retirou cuidadosamente seus brincos de pérolas, esmagou-os e jogou os restos na
vasilha, onde se dissolveram. A rainha egípcia não só ganhou a aposta como
inventou um novo produto: os suplementos de cálcio.
Pérolas são compostas de carbonato de cálcio, uma substância que
pode ser encontrada em muitas das pílulas vitamínicas vendidas nas farmácias. O
cálcio é o mineral mais abundante no corpo humano. Ele é necessário na
renovação dos ossos, na coagulação do sangue, no funcionamento dos tecidos
nervosos e na contração dos músculos. Todas essas funções são prejudicadas pela
falta desse mineral, mas uma de suas conseqüências mais graves é a osteoporose,
doença em que os ossos se enfraquecem. Repor cálcio é importante, não importa a
fonte: pode ser desde pérolas até pedaços de giz. É mais fácil, no entanto,
ingerir em laticínios, vegetais como o brócolis e sucos.
Os benefícios desse mineral são tantos que há quem acredite que
ele pode até diminuir a violência. O cálcio dificulta a absorção de ferro e
manganês pelo cérebro. Um estudo feito no Dartmouth College, Estados Unidos,
afirmou que altos índices desses elementos no sangue aumentam as chances de a
pessoa cometer roubos e assassinatos. É evidente que a solução para o crime não
é tão simples, mas se a hipótese for mesmo comprovada, alguns litros de leite
poderão ajudar a diminuir a violência em nossas cidades. Cada comida é uma
reunião de químicos que estimulam de forma diferente o olfato e o paladar. São
eles que, junto à textura que sentimos ao mastigar, dão a cada alimento seu
gosto único. No queijo camembert, por exemplo, grande parte do cheiro e do
sabor vêm do ácido butírico e do metil-mercaptan que ele libera.
Esses compostos são, curiosamente, encontrados também no
insuportável cheiro que o pé humano emite em seus piores momentos. O motivo é
que tanto o queijo quanto os calçados fedorentos estão infectados de fungos.
Eles foram parar nos queijos por acaso e continuam lá até hoje porque, apesar
do cheiro, transformam proteínas e gorduras nas diversas substâncias que dão
gosto a esses petiscos.
A origem do sabor
Todos os queijos são feitos de modo parecido. O leite é aquecido
com substâncias capazes de fazê-lo coagular (como o coalho), depois secado e
deixado para envelhecer. Originalmente, alguns deles – que hoje recebem nomes
como brie, camembert e roquefort – eram guardados em cavernas, onde sofriam a
ação dos fungos que se proliferam nesses lugares. Cada região possui espécies
diferentes desses microorganismos, que agem de modo distinto sobre os alimentos
que estão lá. As cavernas de Roquefort, na França, são infestadas pelo
Penicillium roquefortii, o fungo que dá a esse queijo seu gosto único.
Atualmente, o efeito desses microorganismos se tornou tão desejado que eles
passaram a ser exportados de suas cavernas originais para diversas partes do
mundo, dando origem a “roqueforts” feitos em diversos países.
Mas nenhuma discussão sobre sabor é completa se não falarmos do
chocolate. A fascinação que ele causa é tão grande que, segundo uma pesquisa do
Instituto Gallup, a maioria das mulheres britânicas deixaria de fazer sexo em
troca de alguns bombons.
Vários motivos contribuem para que o chocolate seja tão desejado.
O primeiro é que ele possui anandamida, uma substância que o
cérebro produz para sinalizar prazer e que é quimicamente semelhante ao THC, o
princípio ativo da maconha. Como a quantidade é muito pequena – seria preciso
comer quilos para sentir algum efeito – alguns cientistas defendem que o
chocolate também estimule a liberação de endorfinas, substâncias sintetizadas
pelo cérebro e que podem levar a efeitos similares aos do ópio. Uma outra
explicação é que os bombons são ricos em carboidratos, que aumentam no cérebro
a quantidade de serotonina, uma substância antidepressiva.
Apesar de toda essa química cerebral, o motivo mais provável para
tanta fascinação é a combinação exata de gorduras, açúcares e outros agentes de
sabor que derretem na temperatura exata da boca. Dessa forma, ele consegue
estimular como poucos o olfato, o paladar e a sensação de mastigar.
O nascimento do plástico
Os plásticos, que hoje estão presentes em centenas de objetos à
nossa volta, foram inventados por causa dos jogos de bilhar. No século XIX,
esse passatempo era uma das principais atrações entre as poucas opções de lazer
da época. Ele havia se tornado tão popular que já trazia problemas: o único
material capaz de produzir bolas de bilhar era o marfim, retirado dos dentes de
elefantes, que estavam cada vez mais raros. Na tentativa de resolver o
problema, uma companhia americana ofereceu um prêmio de 10000 dólares – na
época, uma quantia gigantesca – para quem conseguisse produzir bolas
sintéticas.
O americano John Hyatt foi uma das pessoas a tentar a sorte no
concurso. Há uma lenda de que ele cortou seu dedo em uma experiência e tentou
curá-lo com colódio, um líquido feito de nitrato de celulose que tornava as
feridas impermeáveis. Só que o vidro de Hyatt havia vazado e virado uma massa
sólida. Ele analisou a substância e, depois de anos de pesquisa, descobriu que
uma mistura de colódio com cânfora, submetida a temperatura e pressão altas,
transformava-se em uma substância moldável que ele chamou de celulóide. Foi o
primeiro plástico.
A descoberta deu a Hyatt o prêmio do concurso. O
material também foi utilizado em talheres, brinquedos, escovas, colares,
instrumentos musicais e em centenas de outros produtos domésticos, além de dar
origem aos primeiros negativos utilizados no cinema. Ele tinha o grave problema
de pegar fogo facilmente, o que o levou a ser substituído por outros plásticos
mais seguros e eficientes. Curiosamente, nunca funcionou de forma perfeita em
bolas de bilhar, mas está presente até hoje nos salões de jogos: não há
material melhor para fazer bolas de pingue-pongue do que o celulóide.
FONTE
http://super.abril.com.br/ciencia/quimica-mistura-443424.shtml
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